Mito ou Verdade: O que a Legislação Brasileira Realmente Permite na Cobrança de Dívidas
No universo da recuperação de crédito, muitas crenças e práticas equivocadas persistem entre profissionais e empresas. Essas confusões podem gerar não apenas ineficiência nos processos de cobrança, mas também riscos legais significativos para credores. Este artigo esclarece dois dos principais mitos que circulam no setor, apresentando o que a legislação brasileira realmente estabelece.
A Importância de Conhecer os Limites Legais
Antes de abordarmos os mitos específicos, é fundamental compreender que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e demais normas correlatas estabelecem um marco regulatório claro para as práticas de cobrança. O CDC completou 34 anos em 2024, sendo continuamente atualizado para proteger consumidores, e desconhecer suas disposições pode resultar em multas, processos judiciais e danos à reputação da empresa.
Mito 1: "É Permitido Cobrar uma Dívida Todos os Dias, Inclusive Fins de Semana"
FALSO - Esta afirmação representa uma das interpretações mais perigosas e equivocadas sobre a legislação de cobrança no Brasil.
O que a Legislação Realmente Estabelece
A cobrança deve ser feita entre 8h e 20h nos dias de semana e das 8h às 14h nos sábados, conforme estabelecido pela legislação estadual de São Paulo. Há que se pautar pela regra do bom senso, cobrando do consumidor em horários compatíveis (entre 8h e 20h).
Variações Regionais na Legislação
É importante destacar que diferentes estados possuem regulamentações específicas:
- São Paulo: LEI Nº 15.426, DE 22 DE MAIO DE 2014, estabelece que o horário de cobrança deve ser realizado entre 08h e 20h nos dias de semana e das 8 às 14h nos sábados. É vetada qualquer ligação fora dos intervalos citados e também nos domingos e feriados
- Paraná: permite ligações de cobrança entre as 8h e 18h nos dias de semana, e das 8h às 13h aos sábados
Consequências do Descumprimento
Realizar cobranças fora dos horários permitidos pode caracterizar:
- Perturbação do sossego
- Cobrança abusiva segundo o CDC
- Dano moral passível de indenização
- Multas aplicadas pelos órgãos de proteção ao consumidor
Tendências Legislativas
Está em tramitação na câmara dos deputados Projeto de Lei 752/19 que proíbe ligações de cobrança após as 18 horas e nos finais de semana em todo o Brasil, indicando uma tendência de endurecimento das regras.
Mito 2: "Se o Devedor Estiver Inadimplente, Posso Expor a Dívida Publicamente"
FALSO - Esta prática não apenas é proibida como pode gerar graves consequências legais para o credor.
Fundamentos Legais da Proibição
Expor o devedor publicamente configura dano moral e é proibido pelo Código de Defesa do Consumidor. A legislação brasileira protege expressamente a dignidade da pessoa humana, mesmo em situações de inadimplemento.
O que Constitui Exposição Vexatória
A exposição vexatória pode assumir diversas formas:
- Publicação de nomes em jornais, sites ou redes sociais
- Cartazes em estabelecimentos comerciais
- Comunicação da dívida a terceiros não autorizados
- Envio de correspondências com identificação externa da dívida
- Comentários públicos sobre a situação financeira do devedor
Consequências Legais da Exposição Vexatória
Quando comprovada a exposição vexatória, o devedor tem direito a:
- Indenização por danos morais: Valores podem variar significativamente conforme o caso
- Repetição do indébito: direito à repetição do indébito, nos termos do CDC artigo 42, parágrafo único, consistente na devolução do dobro do valor pago, acrescido de correção monetária e juros legais
- Cessação imediata da cobrança: Até regularização da situação
Alternativas Legais para Pressionar o Devedor
Em vez da exposição vexatória, credores podem utilizar:
- Protesto de títulos: Registro em cartórios de protesto
- Negativação: Inclusão em órgãos de proteção ao crédito (SPC, Serasa)
- Cobrança judicial: Ação de execução ou monitória
- Cobrança extrajudicial profissional: Dentro dos limites legais
Práticas Recomendadas para Cobrança Eficaz e Legal
Horários e Frequência
- Respeite rigorosamente os horários estabelecidos pela legislação local
- Limite a frequência de contatos para evitar caracterização de assédio
- Documente todas as tentativas de contato para comprovar legalidade
Comunicação Adequada
- Mantenha linguagem respeitosa e profissional
- Evite ameaças ou intimidação
- Registre todas as interações para proteção legal
- Utilize canais oficiais e identificados
Documentação e Compliance
- Mantenha registros detalhados de todas as ações de cobrança
- Treine equipes regularmente sobre limites legais
- Implemente sistemas de controle de horários e frequência
- Estabeleça protocolos claros para diferentes situações
Monitoramento das Mudanças Legislativas
O cenário regulatório da cobrança está em constante evolução. Credores profissionais devem:
- Acompanhar mudanças na legislação federal e estadual
- Participar de associações setoriais para manter-se informado
- Consultar regularmente orientações dos órgãos reguladores
- Investir em capacitação jurídica da equipe
Impacto Financeiro do Compliance
Embora possa parecer limitante, o cumprimento rigoroso das normas legais traz benefícios significativos:
- Redução de custos: Evita multas e processos judiciais
- Melhoria da imagem: Constrói reputação de empresa responsável
- Eficiência operacional: Foca recursos em práticas eficazes
- Sustentabilidade: Garante continuidade das operações
Conclusão
O conhecimento preciso sobre os limites legais da cobrança não representa apenas uma questão de compliance, mas uma vantagem competitiva fundamental. Credores que operam dentro da legalidade conseguem manter relacionamentos mais sustentáveis com devedores, evitam custos desnecessários com processos judiciais e constroem reputação sólida no mercado.
Os mitos analisados - sobre horários de cobrança e exposição vexatória - representam armadilhas que podem custar caro para empresas desavisadas. A legislação brasileira é clara: existem limites bem definidos que devem ser respeitados, e o desconhecimento não serve como justificativa para práticas abusivas.
Para credores que buscam eficiência e resultados sustentáveis, o caminho é claro: investir em conhecimento jurídico, implementar processos de compliance rigorosos e manter-se sempre atualizado sobre as mudanças legislativas. Dessa forma, é possível maximizar a recuperação de crédito dentro dos limites legais, construindo um negócio sólido e respeitável no mercado brasileiro.